quinta-feira, novembro 25, 2010

Nota sobre amor/tempo

Primeiramente, leiam esse capítulo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis. É simples, curto e grosso. Depois de feita a leitura, retomarei o sentido que algum trecho específico produziu para a minha cosmovisão. Provavelmente não será o mesmo que você destacou, isso acontece. Sinta cada palavra e o poder da digressão (flashback) que marca o contraste.


                                                                              
Saí dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tique-taque soturno, vagaroso e seco parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e o da morte, a tirar as moedas da vida para dá-las à morte, e a contá-las assim:
— Outra de menos...
— Outra de menos...
— Outra de menos...
— Outra de menos...
O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pudesse contar todos os meus instantes perdidos. Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo. O derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre.
Naquela noite não padeci essa triste sensação de enfado, mas outra, e deleitosa. As fantasias tumultuavam-me cá dentro, vinham umas sobre outras, à semelhança de devotas que se abalroam para ver o anjo-cantor das procissões. Não ouvia os instantes perdidos, mas os minutos ganhados. De certo tempo em diante não ouvi coisa nenhuma, porque o meu pensamento, ardiloso e traquinas, saltou pela janela fora e bateu as asas na direção da casa de Virgília. Aí achou no peitoril de uma janela o pensamento de Virgília, saudaram-se e ficaram de palestra. Nós a rolarmos na cama, talvez com frio, necessitados de repouso, e os dois vadios ali postos, a repetirem o velho diálogo de Adão e Eva.”
                                                                              
Agora sim será possível reiterar o meu ponto de vista sobre esse fragmento da obra. O trecho que mais saltou aos meus olhos foi  a interessante intervenção da noção de tempo ocorrida devido ao “sentimento amoroso” empregnado no narrador. Você percebeu? Usualmente o tempo era visto como indicador de “menos vida”,entretanto quando o narrador se encontrava num estado de espírito que costumamos identificar por “estar amando/apaixonado”,  o tempo tornou-se motivação e motivador: “Não ouvia os instantes perdidos, mas os minutos ganhados”
Sinceramente, apesar do pessimismo intrigante e atraente típico da prosa Machadiana, é possível recobrir o excerto de uma melancólica e romântica  percepção do que pode vir a ser ‘amor’. Ainda há outras distorções da noção temporal trazidas pela sensação, as vezes estranha, de saber-se envolvido emocionalmente. Desde Jorge Amado – uma preferência pessoal – até Vinícius de Morais propuseram tal observação em seus textos. Vinícius ficou eternizado por sua frase, que por pouco não vira ditado popular: “Que seja eterno enquato dure”. Logo, dessacralizando a visão idealizada do amor eterno para uma visão real de eterno amor. Já o autor baiano tratou de dar mais uma vertente a retratação da efemeridade do amor, em ‘Gabriela, Cravo e Canela’ escreveu em uma fala da protagonista: “Tudo que é bom, tudo que é ruim também termina por acabar.” Talvez esse trecho não mantenha uma relação tão direta com o assunto tratado nesse post, porém vale como fortificador da idéia  de que tudo passa – tanto para o bom amor, quanto para o mal amor. (Perdoem a falta de comprometimento com a coerência desse último período, mas acho que eu precisava escrever isso. Como disse uma vez Caio Fernando Abreu, repito: "Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta.". Para bom entendedor... é, você entendeu.)


 “Sem mais, despeço-me” seria formal demais? Sim, sim, talvez.
Então, abraços. Tenham um bom dia.
            
                   

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