domingo, janeiro 30, 2011

Nota Sobre Sentimentos Antitéticos e Complementares

Imagino que algum dia muitos de nós tenhamos refletido acerca da necessidade da existência dos opostos para a confirmação dos mesmos: a importância do vilão para a identidade do herói, do mal para fortalecer a bondade do bem - não se preocupe, foi um pleonasmo pensado- e de tantos outros exemplos possíveis. Apesar do título parecer um tanto genérico, o post não o será.

Vejamos, então, com a ajuda da boa e sempre remodelada Literatura Brasileira, o caso do sentimento de dor e do prazer:

"Deixei-o nessa reticência, e fui descalçar as botas, que estavam apertadas. Uma vez aliviado, respirei à larga, e deitei-me a fio comprido, enquanto os pés, e todo eu atrás deles, entrávamos numa relativa bem-aventurança. Então considerei que as botas apertadas são uma das maiores venturas da Terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar. Mortifica os pés, desgraçado, desmortifica-os depois, e aí tens a felicidade barata, ao sabor dos sapateiros e de Epicuro. Enquanto esta idéia me trabalhava no famoso trapézio, lançava eu os olhos para a Tijuca, e via a aleijadinha perder-se no horizonte do pretérito, e sentia que o meu coração não tardaria também a descalçar as suas botas. E descalçou-as o lascivo. Quatro ou cinco dias depois, saboreava esse rápido, inefável e incoercível momento de gozo, que sucede a uma dor pungente, a uma preocupação, a um incômodo... Daqui inferi eu que a vida é o mais engenhoso dos fenômenos, porque só aguça a fome, com o fim de deparar a ocasião de comer, e não inventou os calos, senão porque eles aperfeiçoam a felicidade terrestre. Em verdade vos digo que toda a sabedoria humana não vale um par de botas curtas."
 ( Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis - Capítulo XXXVI: A propósito de botas)

Creio que após tal texto não seja necessário explicações muito alongadas. Senhor Machado de Assis cumpriu muito bem seu papel de autor-filósofo. Mudemos, pois, o rumo tomado. Utilizando-nos de uma das vertentes oferecidas pelas idéias do fragmento, podemos compreender que onde há dor, simultanea ou posteriormente, revela-se a presença do prazer. Sendo assim, faz-se necessário encarar os sentimentos desagradáveis que causam desconforto - seja psicologico ou fisico -, para que possamos usufluir da leveza de tê-los enfrentado. Como pode saber que sente prazer/alívio aquele que não sofreu com a dor?

Seria análoga à conclusão (ineficaz) de que é feliz aquele que não passa por turbulências. Como podem pensar de tal maneira? O indivíduo que se refugia, se esconde e foge dos infortúnios da vida nem merecedor de felicidade deveria ser.O homem que encontra-se constantemente em situações de tristeza está mais apto para fazer o reconhecimento do que é alegre, ‘feliz’.

Ainda, levando em consideração que as fases da vida são cíclicas – umas são apenas mais longas que outras-, poderíamos entender a estagnação na alegria ou tristeza como um entrave para uma vida realmente feliz. Logo, em um sistema ainda mais elaborado, a felicidade é dependente da transição das fases e as fases são dependentes entre si para que surtam algum tipo de “efeito positivo”.

Quão triste seria uma vida sem abalos, adversidades e pequenas mudanças de rumo repentinas. Quão dolorosa seria uma vida somente de gozos, risadas e alegrias. Acredito ser essa a pior forma de ser infeliz.
A presença do ruim faria o bom ainda melhor.

Pensem nisso - ou não-, mas pensem.
Beijos
Gisele Freire

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